sábado, 31 de dezembro de 2011

Fazer a barba




O meu pai pode não saber ler nem escrever mas tem muito jeito para todos os trabalhos do campo mesmo os mais especializados como a enxertia e a poda. Lembro-me de ele ir trabalhar para fora com mais alguns homens de Martim, iam para umas quintas de Guimarães e da Covilhã e ficavam por lá duas ou três semanas até terem tudo podado e enxertado. Nessas alturas as minhas irmãs e eu ficávamos encantadas ao vê-lo ir, parecia-nos que ele ia para o outro lado do mundo com nomes tão misteriosos e ainda por cima chegava carregado de caixas de belas e grandes maçãs vermelhas. Era um dos poucos que sabia matar recos, fazia vinho em casa e nós as 4 íamos para o lagar pisar as uvas com ele; conhecia os limites dos terrenos e era chamado algumas vezes para porem os marcos. No entanto o que me deixava mais fascinada era vê-lo fazer a barba a um tio da minha mãe que tinha um riso contagiante. Todos os domingos de manhã lá vinha o tio a coxear até nossa casa, contava umas histórias engraçadas, sentava-se na cadeira e ficava à espera que o meu pai preparasse a bacia com água morna, pusesse sabão no pincel e pegasse na navalha de barbear; e eu ficava por ali muito quieta sentada no chão ou encostada à parede a olhar para eles. Hoje e desde há treze anos faço uma média de dez barbas por semana e não há dia que essas lembranças não me venham ao pensamento. Trabalho como ajudante de acção directa num lar da APPACDM (Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental) em Lisboa.

1 comentário :

SANDRA disse...

Sim, como o nosso PAI, tens uma coragem e uma boa vontade que fazem de ti a pessoa maravilhosa que és!!!