«A certeza de que dou para o mal, pensava Joana. O que seria
então aquela sensação de força contida, pronta para rebentar em violência,
aquela sede de empregá-la de olhos fechados, inteira, com a segurança
irreflectida de uma fera? Não era no mal apenas que alguém podia respirar sem
medo, aceitando o ar e os pulmões? Nem o prazer me daria tanto prazer quanto o
mal, pensava ela surpreendida. Sentia dentro de si um animal perfeito, cheio de
inconsequências, de egoísmo e vitalidade. Lembrou-se do marido que
possivelmente a desconheceria nessa ideia. Tentou relembrar a figura de Otávio.
Mal, porém, sentia que ele saíra de casa, ela se transformava, concentrava-se
em si mesma e, como se apenas tivesse sido interrompida por ele, continuava
lentamente a viver o fio da infância, esquecia-o e movia-se pelos aposentos
profundamente só.»
Poucos livros conseguiram fixar de modo tão nítido as reacções mais íntimas de um ser humano, as suas sensações e descobertas, do que este primeiro romance de Clarice Lispector, então ainda uma adolescente.
"- Não sei...
- «Não sei» não é resposta. Aprenda a encontrar tudo o que existe dentro de voçê.
- Bom é viver..., balbuciou ela. Mau é...
- É?...
- Mau é não viver...
- Morrer? - Indagou ele.
- Não, não... - gemeu ela.
- O quê, então? Diga.
- Mau é não viver, só isso. Morrer já é outra coisa. Morrer é diferente do bom e do mau."
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