terça-feira, 11 de junho de 2013

Lê-se num abrir e fechar de olhos deixando-nos a pensar de olhos bem fechados





  "São cinco horas da tarde já escura e há muitas formas de descrever um momento. Limitando-nos ao prédio onde mora a nossa história, podemos escolher os gestos e falar deles. Os gestos desse momento: comer, construir, trabalhar, embalar, olhar, limpar, ler, desenhar, fumar, pentear, rezar, sofrer. Podemos também isolar objectos que se movem ou são tocados: uma faca, um tubo de ferro, um computador, um berço, um palhaço de algodão, uma vassoura, folhas escritas, uma escova de cabelos, um lápis de carvão, um cigarro aceso, um crucifixo, uma fotografia antiga.
  Mais difícil é saber o que pensam os moradores. Acontece por vezes pensarem em muitas coisas ao mesmo tempo, ou então alternarem os pensamentos de forma tão rápida que os instantes ficam tremidos, outras vezes são coisas vagas que não encaixam em palavras.
  As palavras são difíceis mas são o que temos. O sofrimento é único para cada homem e para cada mulher, são infinitas as dores e poucas as palavras que lhes dão nome: desgosto, arrependimento, comiseração, tristeza, pesar, mágoa, pena, lástima, aflição, angústia, nojo, desolação, comoção, choque, amargor. Faltam termos e sobram as horas más. Não falta descrever o que se pensa, porque não importa, o sofrimento corre abaixo da cabeça, no corpo que apanha, às voltas no mesmo lugar, que é o centro de tudo, como se chama o centro exacto de nós?"


Sem comentários :